Em estado de
silêncio, talvez tenha sido essa a sensação exata que tomou parte do meu ser,
durante a primeira semana de trabalho do Retrato. Odilon cativou a todos com
seu jeito manso de falar, e afetuoso de agir. Mesmo estando eu, antes de sua
chegada, um pouco ansioso com o desconhecido que ele representava, tinha a
intuição de que iria encontrar um indivíduo, que a partir de suas ações, iria
expor a riqueza e a diversidade do fazer teatral produzido nas salas de ensaios
dos grupos de teatro do Brasil, e nesse caso, do próprio Luna Lunera.
No primeiro
dia de encontro eis que fui apresentado ao modo Odilon de conduzir um processo.
Tudo começou em uma roda, formada por todos da equipe, com o objetivo puro e
simples de conversar. Gastamos seis horas trabalhando um dos princípios básicos
do teatro de nosso tempo: a comunicação pura e simples através da palavra, do
diálogo. Isso mesmo, conversamos incansavelmente sobre o universo de Manoel de
Barros, da Bololô, do Luna... Sobre cada um de nós. Sendo que uma de suas
impressões sobre a obra do Manoel de Barros chamou a minha atenção. Disse ele
“A obra do Manoel de Barros nos aproxima das coisas abandonadas e nosso desafio
é fazer o público perceber essa aproximação”.
Como
assistente de direção, fiquei encasquetado com essa provocação. A poesia do
Manoel me faz perceber beleza nos objetos desprezíveis... Mas as palavras do
Odilon potencializaram meu olhar como encenador. Este trabalho parte de um
livro que apesar de se constituir totalmente de palavras, tem nos espaços em
branco, um forte poder imagético. E é nesse lugar branco que se esconde as
possíveis cenas do nosso espetáculo. Qualquer tentativa de representação real
do que o Manoel suscita, tais como a natureza existente no Mato Grosso, pode
soar ingênuas, rasas e vazias. Ao propor um livro que tem o título de “Retrato
do Artista quando coisa”, o Manoel lança em minhas mãos um tratado da
inventividade e da curiosidade. Ele pede que eu como assistente, tente criar
diálogos com o que é desprezível na cultura ocidental. Aqui deste lado do
mundo, não nos apegamos a memória dos povos antigos, descartamos o relógio
analógico, em troca do digital... Descartamos, descartamos, descartamos...
Deletamos. E é exatamente no descarte que devemos trabalhar. Ao lê-lo, eu já
consigo visualizar um possível espaço de jogo, onde os atores possivelmente atuariam
todo formado de objetos descartados que inspirem memória coletiva! O Manoel
pede que não esqueçamos a memória dos objetos, que não esqueçamos o que de mais
sublime existe no homem: a sua capacidade de encantar-se com a beleza das
coisas. E nós artistas, somos organizadores de beleza, somos criadores de coisas. E na minha função, Odilon contribuiu dizendo:
meninos, a sensação para quem está observando tudo de fora é de empréstimo!
Empreste seu olhar a todos, aos atores, ao iluminador ao público!
O meu primeiro
encontro com o Odilon, deixou um aprendizado para a minha jovem carreira de
encenador: é importante escutar o outro, a sua equipe, pois esta constrói ao
longo de sua trajetória artística, um leque de impressões. Odilon tinha
curiosidade em saber quais espetáculos haviam nos deixado com sensação de proximidade,
que cenas, que cores, que palavras ditas no teatro nos deixavam calados,
emocionados, acreditando que este seria um caminho possível para a nossa
própria criação. Ele tinha curiosidade
em saber quem éramos nós, não para imprimir um discurso autoritário de
trabalho, mas para fazer com que nós encontrássemos as rotas possíveis para a
jornada que se iniciara.
O mais curioso
desse meu encontro com ele, foi perceber que o desconhecido que ele
representava no início, caiu por terra, pois sete dias de trabalho depois
“Odilonzim”, como carinhosamente o chamávamos, revelou-se um jovem ávido por novas
experiências, assim como os jovens atores da Bololô, assim como eu sou.
Como diria o
Saramago: “quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu, quando
nela estiver” e agora que estou na ilha do Odilon, que também pode se chamar
Luna Lunera, e sabendo que os princípios que a regem (comprometimento com a
pesquisa, valorização do diálogo, criação compartilhada e afeto na diferença)
também estão presentes na Ilha que eu habito: a ilha Bololô.
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