Encenações

quinta-feira, 5 de julho de 2012

A ilha Desconhecida, ou, Odilon.


Em estado de silêncio, talvez tenha sido essa a sensação exata que tomou parte do meu ser, durante a primeira semana de trabalho do Retrato. Odilon cativou a todos com seu jeito manso de falar, e afetuoso de agir. Mesmo estando eu, antes de sua chegada, um pouco ansioso com o desconhecido que ele representava, tinha a intuição de que iria encontrar um indivíduo, que a partir de suas ações, iria expor a riqueza e a diversidade do fazer teatral produzido nas salas de ensaios dos grupos de teatro do Brasil, e nesse caso, do próprio Luna Lunera.
No primeiro dia de encontro eis que fui apresentado ao modo Odilon de conduzir um processo. Tudo começou em uma roda, formada por todos da equipe, com o objetivo puro e simples de conversar. Gastamos seis horas trabalhando um dos princípios básicos do teatro de nosso tempo: a comunicação pura e simples através da palavra, do diálogo. Isso mesmo, conversamos incansavelmente sobre o universo de Manoel de Barros, da Bololô, do Luna... Sobre cada um de nós. Sendo que uma de suas impressões sobre a obra do Manoel de Barros chamou a minha atenção. Disse ele “A obra do Manoel de Barros nos aproxima das coisas abandonadas e nosso desafio é fazer o público perceber essa aproximação”.  
Como assistente de direção, fiquei encasquetado com essa provocação. A poesia do Manoel me faz perceber beleza nos objetos desprezíveis... Mas as palavras do Odilon potencializaram meu olhar como encenador. Este trabalho parte de um livro que apesar de se constituir totalmente de palavras, tem nos espaços em branco, um forte poder imagético. E é nesse lugar branco que se esconde as possíveis cenas do nosso espetáculo. Qualquer tentativa de representação real do que o Manoel suscita, tais como a natureza existente no Mato Grosso, pode soar ingênuas, rasas e vazias. Ao propor um livro que tem o título de “Retrato do Artista quando coisa”, o Manoel lança em minhas mãos um tratado da inventividade e da curiosidade. Ele pede que eu como assistente, tente criar diálogos com o que é desprezível na cultura ocidental. Aqui deste lado do mundo, não nos apegamos a memória dos povos antigos, descartamos o relógio analógico, em troca do digital... Descartamos, descartamos, descartamos... Deletamos. E é exatamente no descarte que devemos trabalhar. Ao lê-lo, eu já consigo visualizar um possível espaço de jogo, onde os atores possivelmente atuariam todo formado de objetos descartados que inspirem memória coletiva! O Manoel pede que não esqueçamos a memória dos objetos, que não esqueçamos o que de mais sublime existe no homem: a sua capacidade de encantar-se com a beleza das coisas. E nós artistas, somos organizadores de beleza, somos criadores de coisas.  E na minha função, Odilon contribuiu dizendo: meninos, a sensação para quem está observando tudo de fora é de empréstimo! Empreste seu olhar a todos, aos atores, ao iluminador ao público!
O meu primeiro encontro com o Odilon, deixou um aprendizado para a minha jovem carreira de encenador: é importante escutar o outro, a sua equipe, pois esta constrói ao longo de sua trajetória artística, um leque de impressões. Odilon tinha curiosidade em saber quais espetáculos haviam nos deixado com sensação de proximidade, que cenas, que cores, que palavras ditas no teatro nos deixavam calados, emocionados, acreditando que este seria um caminho possível para a nossa própria criação.  Ele tinha curiosidade em saber quem éramos nós, não para imprimir um discurso autoritário de trabalho, mas para fazer com que nós encontrássemos as rotas possíveis para a jornada que se iniciara.
O mais curioso desse meu encontro com ele, foi perceber que o desconhecido que ele representava no início, caiu por terra, pois sete dias de trabalho depois “Odilonzim”, como carinhosamente o chamávamos, revelou-se um jovem ávido por novas experiências, assim como os jovens atores da Bololô, assim como eu sou.
Como diria o Saramago: “quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu, quando nela estiver” e agora que estou na ilha do Odilon, que também pode se chamar Luna Lunera, e sabendo que os princípios que a regem (comprometimento com a pesquisa, valorização do diálogo, criação compartilhada e afeto na diferença) também estão presentes na Ilha que eu habito: a ilha Bololô.   

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