Encenações

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Líquido Espelho

Certa manhã ao acordar, havia em mim um ser que até então não conhecera. Em minha nova concepção enxerguei muitas formas, tentei desesperadamente entender o movimento de cores formado em meu pensamento. Sensações indecifráveis... Inútil! Um frio se instaurou. Abri meus olhos e percebi que algo estava diferente, o teto não era mais o mesmo, as paredes sumiram. Escutei um barulho ensurdecedor. Olhei para o lado e vi um lance de pedras vindo em minha direção. Apesar do medo, fiquei estático... No mundo das pedras, atraente é estar imóvel! Elas passaram violentamente do meu lado, fechei os olhos para me defender. O ruído forte das pedras rolando me angustiava. Vã defesa. O frio aumentou. Até que minha inércia se consolida e um silêncio repentino atestou: naquela manhã de chuva, tornei-me pedra! Tornei-me um ser diferente na paisagem.
A chuva aumentava de volume e eu a recebia sem a absorver. Á água apenas escorria sobre minha superfície. O chão encharcado intensificava meu frio. Engraçado ser uma pedra que sente. Mesmo assim algo me cercava, era diferente da chuva, ela não passava por mim apenas. Era outro ser. Um ser rasteiro. Era frio como eu. Descobri que em meio à chuva um musgo verde que se alimenta de frio estava a lentamente me cobrindo. Suas raízes eram delicadas. No momento, me era confortável ser imóvel, não solitário. Em meio à chuva senti-me seduzido, arrebatado. Tentei encontrar subterfúgios para negar o que estava sentindo... Seres imóveis precisam de mentiras momentâneas! A chuva aumenta e meu desejo de negar o musgo também. Decido olhar incessantemente para o teto, vã tentativa, não é mais um teto, é um céu escuro de chuva. Passei a perceber que cada gota antes de cair sobre mim, se tornava meu espelho. Encantou-me a ideia de ter muitos espelhos. Os encantamentos podem ser perigosos. Para meu sofrer, me enxerguei em pedaços verdes. Eram fragmentos do que estava sentindo. Desejei chorar. Descobri, após aquela manhã, que pedras sentem dor, porém, não exteriorizam. Lágrimas não escorrem de pedras. A chuva passou e com ela todo o encantamento de um dia ter me enxergado de um modo diferente... Quebrado.

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